Nota de repudio
Eu, padre João Jorge Rietveld, responsável pelo setor paroquial de Nossa Senhora da Conceição e são
Bento – Cabaceiras e São Domingos, venho a público repudiar a absurda festa da “matança do Judas”
que aconteceu ontem, dia 29 de março de 2024, na Sexta-Feira Santa, em frente à nossa Igreja
Católica, recentemente totalmente reformada com grandes investimentos pessoais e comunitários.
Há nove anos tentamos construir o ensinamento na nossa Paróquia sobre a caminhada com Jesus,
assim como tantos dos meus antecessores. No centro desta evangelização, existe uma certeza: Jesus
nunca mandou matar ninguém, nem Herodes, nem os soldados, nem Caifás, nem Pilatos, nem os
homens que o mataram de fato e muito menos aquele que o entregou: Judas. Foi exatamente o
contrário. Uma das últimas frases que Jesus pronunciou na cruz foi “Pai, perdoa-lhes, porque eles
não sabem o que estão fazendo”. Diante disso, Judas foi o primeiro a receber seu perdão. Logo, quem
poderia duvidar disso? Essa sendo a essência do Cristianismo. E agora, festeja-se o “direito” de que
alguns de nós devem matar Judas? Disso posso dizer que é o evangelho de avesso.
A tradição mais antiga de São Domingos não é de matar o Judas, mas sim de celebrar a Semana Santa
com seus ritos e reflexões que este tempo tão lindo necessita, além de conviver em comunidade
seguindo os passos que Cristo nos ensinou. Tradições devem ser mantidas, como defendi durante
meus 40 anos de missão no Cariri, com muito entusiasmo. Porem existem alguns critérios, para que
a torne válida, sendo o primeiro a obediência e respeito por outras tradições já existentes e
celebradas; e a segunda a avaliação de fato se o que é considerado “tradição” concentra-se em ser
algo que tenha sentido de lançar-se como uma tradição, ultrapassando a barreira de gerações e
valendo a pena ser repetida com o apoio de todos. Portanto, nota-se que esta pratica não agrega em
nada, aliás, muito desagrada o nosso povo e nossa estrutura, onde nestes nove anos, luto contra a
vandalização de nossa fé e nosso patrimônio. Repudio e defendo que nós como um povo de Deus,
devemos extinguir e passar a não caminhar mais com esta prática em nossa sociedade. Com base
nisso, podemos observar o exemplo do Município de Cabaceiras, que atendeu o pedido dos meus
antecessores (padres) e acabaram com este gesto tão desagradável para a fé Cristã, não cabendo
mais as práticas incoerentes com o que nos foi ensinado.
Pode-se ainda questionar “e padre manda na praça?” Manda de jeito nenhum. Quem detém o poder
de preservação destes espaços é o Poder Público, desde 7 de janeiro de 1890, quando o Brasil
conhece a separação de Estado e da Igreja. Apoiamos plenamente. Mas em nome dos católicos,
posso e devo me posicionar e exigir respeito por este dia e o espaço entre as duas igrejas – onde foi
construídas duas fogueiras – desrespeitando nossos ritos e em especial, meu pedido durante estes 9
(nove) anos. Temos 365 dias no ano, mas esta semana é a mais importante do nosso calendário, onde
passamos a enxergar a Paixão que nos move a sermos seres humanos melhores e buscar a salvação
com o exemplo dado por nosso Salvador.
Acredito que o bom senso de todos que passaram pela catequese, sabe da importância dos
fundamentos básicos da nossa religião, afim de não promulgar incoerências religiosas, confio que
nos lares católicos, cada pai e cada mãe ensine o evangelho e os bons costumes aos seus filhos,
fortalecendo e confirmando a estrutura de que educação das futuras gerações deve começar pelas
crianças. Diante disso, não há como correlacionar este tipo de “brincadeira” que não resgata nenhumsentido teológico ou histórico com a educação de base cristã, já que contrapõe diretamente o que
nos foi ensinado pela Bíblia e não agregará valor algum as próximas gerações.
Como eu me sinto? Péssimo. Mais ainda porque pessoas de minha confiança estarem envolvidas,
conforme vários relatos e fotos. Depois de consultar muitas pessoas ao meu redor decidi emitir esta
carta, sabendo o poder que nela tem em criar grandes divisões. Mas espero do fundo do meu coração
vocês que entendam. Todos sabem que prioridade para mim, desde que assumi São Domingos, foi
em manter e reforçar a união da nossa igreja, por esta razão que dom Delson me confiou o posto.
Investi muito em São Domingos, de todas as maneiras. Infelizmente tenho que falar em público, fora
do espaço da igreja, já que em nove anos aparenta não ter surtido tanto efeito. Fui alertado que
poderei receber ameaças de todas as formas, mas confio na boa vontade de todos e na bondade de
Deus.
Em tempo, ainda necessito citar que o Blog de Bruno Lira, relacionou esta prática difamatória a nossa
religião, quando trata em sua matéria que tal ato seria uma “tradição católica”. O repórter foi mal
informado. Explico que não há nada menos católico do que este evento. Tal reportagem foi infeliz e
fere alguns princípios religiosos e constituintes da nossa legislação. Quanto a este, vou entrar em
contato pessoalmente, mas que fique o exemplo aos demais.
Peço desculpas a todos que se sentiram ofendidos por mais um ano da brincadeira de mal gosto de
matar o Judas e que esperaram nestes nove anos um posicionamento mais firme da minha parte.
Padre João Jorge Rietveld, 30 de março de 2024



